Doação de Corpos
Histórico de Criação e Implantação de Procedimentos para Doação de Corpos para Ensino e Pesquisa
No Brasil existia uma tradição verbal, sem maiores formalidades, de utilizar corpos de pessoas não reclamadas pelos familiares. Na prática, estes corpos eram entregues às escolas da área de saúde para estudo e ensino de anatomia humana. Este procedimento ocorreu por muito tempo como se fosse a lei.
Com a complexidade dos tempos atuais, o simples encaminhamento desses corpos às escolas de medicina passou a ser temido com o receio de transgredir a lei. Isso desencadeou uma redução no número de cadáveres para as aulas de anatomia. Com o propósito de resolve este problema, em 30 de novembro de 1992, foi editada a Lei Federal 8.501, que disciplina a destinação de cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, para fins de ensino e pesquisa e dá outras providências. Entretanto, dificuldades na compreensão das normas conduziram instituições de ensino superior a realizar consultas jurídicas para obtenção de esclarecimentos.
Esta realidade motivou o Departamento de Anatomia do Centro de Biociências (CB) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), juntamente com outras instituições do Estado, a examinarem mecanismos fundados e amparados em lei que solucionassem a escassez de cadáveres para estudo e pesquisa. Para isso foram realizadas reuniões de discussão e apresentação de protocolos de recebimento de cadáveres com base principalmente na legislação vigente.
A primeira reunião ocorreu em maio de 2005, com a participação de representantes da UFPE e da Secretaria de Saúde da Prefeitura do Recife. Outras reuniões se sucederam na UFPE e no Instituto Médico Legal do Recife (IML). A partir de 2007, as reuniões tiveram continuidade com a participação de representantes do Setor de Epidemiologia da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES/PE), da Gerência de Monitoramento e Vigilância de Eventos Vitais/SES; do Sistema de Informação de Mortalidade (Secretaria Municipal de Saúde - Recife); do serviço de necrópoles da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (EMLURB); da UFPE e outras Instituições de Ensino Superior de Pernambuco. As várias reuniões resultaram em um protocolo de intenções apresentado à Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Pernambuco para avaliação e pronunciamento.
Em 20 de setembro de 2008, a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco publicou o Provimento nº 28/2008, que dispõe sobre o registro de óbito dos cadáveres destinados às escolas de Medicina para fins de ensino e pesquisa científica. Esse provimento foi elaborado pelo desembargador José Fernandes de Lemos, em resposta ao protocolo de intenções apresentado à Corregedoria, que enfatizou a necessidade primordial de complementar as leis sobre a utilização de cadáveres para fins de estudo e pesquisa científica no Estado de Pernambuco.
Na elaboração do Provimento nº 28/2008, o Desembargador José Fernandes de Lemos considerou a enorme importância social, religiosa e jurídica do cadáver, cujo destino normal e rotineiro é o sepultamento ou a cremação, bem como a necessidade imperiosa de as escolas de medicina utilizarem cadáveres para fins de ensino e pesquisa científica, os quais devem estar revestidos de todo o respeito ético e moral, além do rígido respeito às normas jurídicas. Disposições normativas estabelecidas pela Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992, regulamentam as condições em que os corpos podem ser destinados a estudos, mas essa lei não resolve todos os problemas práticos decorrentes do encaminhamento de corpos às instituições de ensino da medicina. Entre estes problemas estão dificuldades encontradas pelos oficiais do registro civil para elaborar os assentos de óbitos de cadáveres que se destinam a essas escolas, além de ainda ser praticamente inexistente a regulamentação dos casos de doação post mortem do próprio corpo “com objetivo científico ou altruístico”, nos termos do Artigo 14 do Código Civil brasileiro.
No estado de Pernambuco, a publicação do Provimento nº 28/2008 complementou o dispositivo legal existente, regulamentando que cadáver proveniente de pessoa não reclamada, identificada ou não identificada, bem como cadáver procedente de doação em vida ou doação pela família podem ser utilizados para ensino e pesquisa após o cumprimento de todos os itens desse Provimento.
Profa. Elizabeth Neves de Melo
Curadora do Acervo de Cadáveres Humanos/CB/UFPE