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“Que farei com este trabalho?” é pergunta-chave para superar crise no trabalho, diz pesquisador da UFPE

Doutor em Administração revela modo de vida conformado, sem autenticidade e reflexões como desestímulos ao sentido de trabalho

Professor do IFPR, Newton Claizoni traz o sentido de seu trabalho para o estudo científico

 

“O que estamos fazendo diante da crise de sentido do trabalho?”, questiona o doutor em Administração, Newton Claizoni, na tese “Que farei com este trabalho? Um discurso (Arendtiano) sobre trabalho e sentido”, do Programa de Pós-Graduação em Administração (Propad), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

 

Para o autor, com base no pensamento da filósofa política alemã Hannah Arendt, dentre as atividades humanas fundamentais, a ação e a obra, “que geram, criam e movem vidas”, foram empobrecidas diante da redução e prevalência de uma perspectiva de trabalho como labor, “que alimenta e desenvolve a vida”.  

 

Newton argumenta que, quando há um empobrecimento da noção de trabalho, as consequências também correspondem a perspectivas empobrecidas de sentidos para o ato de trabalhar.

 

“O trabalho está reduzido ao labor – como já demonstrou Arendt – e o sentido está reduzido ao significado [onde se pode exclamar “Você Não é o Seu Emprego!”]. Não pretendo dizer qual é o sentido do trabalho, mas refletir sobre o que pode ser isso”, sustenta o pesquisador.

 

De acordo com a tese, orientada pela professora Débora Dourado, a partir do método e pensamento da vita activa, Hannah Arendt demonstrou como as três atividades humanas fundamentais – o labor, a obra e a ação – foram colocadas dentro do que considera “uma noção empobrecida de trabalho-labor”. Isso resulta, segundo o trabalho de Newton, em um “modo de vida conformado, inautêntico e irrefletido”, o que gera crises de sentido nos ambientes de trabalho.

 

“A partir dessa demonstração, reflito sobre como a compreensão e a recuperação das atividades da obra e da ação, juntamente com seus respectivos ‘espaços de sentido’, podem ajudar a compreender melhor a crise de sentido do trabalho. E também ampliar a noção de sentido do trabalho, permitindo que seja experimentado por cada pessoa como um projeto e uma memória próprios”, salienta o autor.

 

Quando relata sobre o sentido de seu trabalho, Newton conta que as ligações entre os projetos e as memórias possibilitaram dar significados para o “jogo científico”. Nele, o pesquisador buscou caminhos para obter um sentido condizente com a ação e a obra, como Arendt reforça, e ir além do labor, que domina a dinâmica de trabalho e acaba por empobrecer, por exemplo, significados importantes da prática científica.

 

“Minhas leituras e reflexões têm me mostrado que tudo o que é significativo é feito também de projetos e memórias, inclusive o ‘jogo da ciência’. Por isso, busquei desenhar o arco que liga meu projeto à sua memória para, em seguida, fazer meu ‘lance’ nesse jogo”, filosofa o doutor.

 

Claizoni afirma que as determinações existentes, nos ambientes de trabalho, tolhem vontades de criações e desmotivam indivíduos em práticas cotidianas. O autor analisa que isso ocorre por causa de dispositivos e estruturas de controle, como as administrativas, mas que as pessoas conseguem também construir outros sentidos e vínculos nesses ambientes.

 

“Eu sentia falta de uma teorização sobre o sentido do trabalho que não capitulasse a ideia de um ser humano completamente determinável, mas que mostrasse que a ‘vontade de sentido’ e a capacidade de construí-lo subsistem. Isso acontece apesar das estruturas e dispositivos de dominação e conformidade – não raro estruturas e dispositivos administrativos”, endossa.

 

Newton acredita que, em um cenário como o trabalho, onde o ser humano deposita anseios e desejos de vida, é necessário estimular as potencialidades da ação e da obra para que o labor se transforme em concretização de sonhos.

  

“É preciso identificar a relação entre sentido do trabalho e a ação humana, reconhecendo que as pessoas, dentro de suas possibilidades concretas, ainda lutam para afirmar e realizar o que antecipam em sonhos que não são ‘nem tolos nem vãos’”, poetiza o doutor em Administração.

 

Newton Claizoni adverte que as organizações precisam estar atentas às modificações das relações de trabalho existentes em uma sociedade composta de vínculos tecnológicos, ou algorítmicos, em vez de vínculos de emprego, onde ocorrem as experiências das pessoas no trabalho.

 

O pesquisador enfatiza que “a experiência autêntica de sentido do trabalho tem sido substituída por outras expectativas efêmeras e desconectadas do agir concreto” - e isso gera, diz Claizoni, modificações no sentido, nas práticas, na qualidade de vida e em relações existentes com o trabalho.   

 

DOENÇAS NO TRABALHO – No final do ano passado, em 29 de novembro de 2023, o governo federal publicou a Portaria GM/MS nº 1.999  para atualizar a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). São quase 350 enfermidades que causam, segundo o documento, “dano à integridade física e mental do trabalhador”. Dentre as novidades relacionadas na legislação brasileira, estão transtornos mentais (ansiedade e depressão, por exemplo), abuso de drogas, tentativa de suicídio, covid-19 e a síndrome do esgotamento profissional (Burnout).  

 

A tese de Newton Claizoni reforça que há “uma espécie de adoecimento da alma” no cenário. Segundo o trabalho do pesquisador, a dissociação da vita activa surge nos ambientes de trabalho e isso acarreta crises de sentido com o trabalho, além de doenças e problemas de saúde nos trabalhadores. 

 

“A única conclusão possível é que a superação desse problema, qualquer que seja o seu modo, não será conduzida por uma ‘mão invisível’. Tal revolução, se é que de revolução se trata, só ocorrerá na medida em que cada um responda a si mesmo a pergunta ‘que farei com este trabalho?’ E experimente autenticamente a ação e o sentido, atualizando-se. Torne em ato, o mundo e a si mesmo”, sugere o trabalho do doutor em Administração da UFPE.

 

MOTIVAÇÃO DO TRABALHO CIENTÍFICO – Ao relatar sobre o sentido do trabalho acadêmico-científico, Newton Claizoni, que, atualmente, trabalha como professor da área de Administração do Instituto Federal do Paraná (IFPR), conta que as motivações surgem das próprias experiências de vida.  

 

“Cheguei mais tarde às reflexões sistematizadas da academia. Antes de atender ao chamado da curiosidade intelectual, de refletir sobre questões que me incomodam, eu precisei viver essas questões. Antes de ser professor, eu trabalhei como piloto comercial de aviões e como administrador de empresas. Quem tem ouvidos para ouvir e olhos para ver (e para ler) não passa por essas experiências sem ser sacudido por muitas questões”, analisa.

 

Para o doutor em Administração pela UFPE, o trabalho tem uma importância significativa na vida. O pesquisador revela que buscou respostas para crises de sentido no trabalho das pessoas ao encontrar o sentido do seu trabalho.

 

“O que mais incomodava era a (im)possibilidade para compreender o sentido do trabalho e a crescente experiência de crise desse sentido para as pessoas. Eu precisava compreender o papel do trabalho na vida das pessoas e foi isso que me trouxe à academia, lugar onde finalmente me encontrei. Como o trabalho sempre foi muito importante na minha vida, eu sentia que encontraria as respostas para essas questões ao encontrar ‘o sentido’ do meu trabalho”, argumenta Newton.

 

De acordo com o pesquisador da UFPE, as pesquisas acadêmicas sobre o tema do trabalho articulam contextos onde a noção do ato de trabalhar “sofreu uma espécie de ‘queda’ que o privou de sua capacidade para prover sentido”. Claizoni esclarece que uma ideia central que desenvolveu na sua tese foi: “o sentido do trabalho não é algo que alguém ‘encontra’, mas algo que alguém ‘faz’”.

 

O autor ressalta que é preciso ampliar a compreensão sobre a “queda de sentido” atrelada ao trabalho e encontrar pistas de como essa crise pode ser superada.

 

“Quero crer que essa tese contribui para que passemos a teorizar o sentido do trabalho reconhecendo a capacidade humana para construí-lo, ‘apesar’ das estruturas e dispositivos de dominação e conformidade. Percebi que construímos e compartilhamos sentido sobre nosso trabalho, na exata medida em que fazemos ou dizemos algo”, conclui o pesquisador da UFPE.

 

Mais informações

Newton Claizoni - newtonclaizoni@gmail.com 

Data da última modificação: 28/02/2024, 11:59

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