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A Educação Física
Publicada no Jornal do Commercio em 7 de setembro de 2021
Flávio Brayner
Desde que Platão inventou aquela famosa alegoria, a da Caverna, que se criou uma forte suspeita em relação às aparências ("As aparências enganam", "Não se deixe levar pelas aparências"), para se valorizar as "essências", aquilo que as aparências escondem e que fazem com que as coisas sejam o que são. No entanto, nós não vivemos no Mundo das Essências, e nosso CORPO é aquilo de que dispomos para "aparecer" no mundo (e para os outros) e confirmar nossa objetiva existência.
No entanto, quase toda a história das idéias ocidentais foi uma constante condenação do corpo: Sócrates, por exemplo, via o corpo como uma prisão, e achava que a morte livrava a alma daquela cadeia: a verdadeira vida - a vida autenticamente vivida- não estava "dentro" do corpo, mas na prática especulativa. O Cristianismo demonizou o corpo, fonte da tentação, do prazer carnal, do pecado e o próprio Jesus foi "inventado" como alguém que jamais conheceu o prazer sensual (e o celibato clerical católico institucionalizou o pavor da sexualidade, apesar de todos os escândalos que rondam a Igreja!). Na verdade, o corpo foi tão demonizado pela Filosofia, que suspeito que ele seja a GRANDE QUESTÃO FILOSÓFICA, aquela que não queremos ou temos medo de enfrentar!
Com a secularização da sociedade moderna, a Economia dominando nossas vidas, com o primado do "mundo das coisas", da produção de objetos visíveis e consumíveis, e com a sobrevalorização do TER (coisas) sobre o SER (essências), a dupla Platão-Sócrates perdeu a disputa pelo valor das essências e da vida especulativa: ganhou o Mundo das Aparências. O próprio Hegel dizia que "Sem a aparência, a essência não pode brilhar"! Uma aparência que atingiu diretamente o corpo, que precisa ser bonito, saudável, atraente (veja a proliferação de academias de ginástica), mas também corpo "político": não exatamente como uma "política do corpo" (dispor com consciência e liberdade de si mesmo), mas como "corpo politizado": minha livre aparição na esfera pública onde me torno visível e audível. Este mesmo CORPO POLITIZADO que os tiranos torturam, que a Inquisição queima, que as revoluções guilhotinam, que a homofobia condena, que as disciplinas adestram, que a escravidão dobra, que a moral proíbe, que a fome destrói, que a desesperança arruína, que a guerra mutila, que a epidemia mata..., e que os PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA tentam "salvar", educando "CORPOS COM CONSCIÊNCIA".
Fica aqui minha modesta homenagem a estes profissionais pela passagem de seu dia (1° de Setembro).
*Professor da UFPE.